VISITA DO FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ


Os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá são os autores da história em quadrinhos Daytripper e, no dia 27 de novembro de 2012, visitaram a Escola Viva para uma conversa com as turmas do 9º ano. Ao final, concederam uma entrevista para o Blog!

Confira abaixo:

O personagem principal de Daytripper, Brás, morre em todos os capítulos. E “matar” o protagonista não é muito comum nas histórias. Essa é uma narrativa sobre a morte?
Não. Na verdade, essa é uma narrativa sobre a vida e é por isso que quem morre é o personagem principal, porque ele é o foco da história. Então, a gente não queria que a morte passasse batida durante a história. Você tem que lembrar dela para pensar na vida. E foi para reforçar isso que a gente optou por ele morrer várias vezes.

Falando sobre o processo criativo, de onde vocês tiram as ideias para criar uma história?
As ideias podem vir de qualquer coisa, de uma conversa, de uma imagem, de uma notícia que a gente lê, de um livro, de um filme. Qualquer coisa pode dar uma ideia para uma história. A partir disso, conversamos para ver se os dois gostam dela e se achamos que aquilo pode dar uma boa história.

Daytripper foi desenvolvida para adultos. Como vocês veem o fato de ela ser lida por adolescentes?
Eu acho normal. Qualquer pessoa pode ter uma relação com a história, independente da idade. De acordo com a idade, eles vão ter certas experiências pessoais e isso vai ressoar na história de uma maneira diferente. Nesse contexto, ajuda o fato de o personagem principal passar por diferentes idades. Quem já teve filho reage, com os capítulos em que ele tem filho, de uma maneira diferente do que quem nunca teve. Você tem que estar preparado para qualquer tipo de público.

Ainda hoje, não é muito comum as HQ’s fazerem parte do currículo escolar. Qual é a importância de inseri-las nesse contexto? 
Isso faria com que as pessoas não se preocupassem tanto com o que é para criança e o que não é. É importante criar um ambiente em que as coisas são discutidas com naturalidade. Se tiver algum assunto que as crianças não conheçam, os professores e os demais adultos estão lá para discutirem com naturalidade o que aquela história trata. Se você não foge dos temas que são polêmicos para uma criança, cria-se um bom caminho para ela descobrir as coisas. A literatura, os quadrinhos, a arte são ótimos caminhos para as crianças descobrirem o mundo. Pela ficção, é um caminho seguro de descobrir as coisas, de fazer perguntas e de obter respostas. É mais fácil você falar de drogas, sexo e violência na ficção do que deixar a criança descobrir tudo isso na vida real, sem nenhum preparo anterior.

Hoje, vocês são autores mundialmente reconhecidos. Como foi essa trajetória, desde a época em que vocês faziam trabalho independente?
Quando começamos, passávamos por um momento nas histórias em quadrinhos em que as editoras tinham se retraído muito. Fizemos fanzine porque não tinha outra opção fácil e acessível de contar nossas histórias em quadrinhos. Não tinha editora que publicasse quadrinhos nacionais naquela época e queríamos encontrar um jeito de mostrar para as pessoas o tipo de história que queríamos contar. Fazer quadrinhos de uma maneira independente foi o jeito mais prático de mostrar para as pessoas que o que fazíamos era sério. Foi uma ótima prática, um ótimo período de treinamento e de descoberta, porque a resposta era muito rápida. Não só fazer de forma independente, mas vender de mão em mão e lidar diretamente com o seu leitor cria uma resposta muito rápida. Foi uma época de muito aprendizado.

Quais são suas influências como escritor?
Uma das razões pelas quais gostamos de desenhar é porque gostamos muito de literatura. Gostávamos muito do Machado de Assis e depois, durante a faculdade, lemos muita coisa do Guimarães Rosa e do Saramago. Das pessoas que escrevem em português, elas são as maiores influências. Além disso, gostávamos muito de poesia na época do Ensino Médio, porque poesia tem muito a ver com quadrinhos. Você trabalha com espaço limitado, com métrica e ritmo de leitura. Além disso, tem que escolher a palavra certa e não se tem todo espaço do mundo. E quadrinhos são assim. Você tem que pensar na palavra certa, no espaço da leitura e na métrica. Quando estávamos no Ensino Médio, líamos muito Fernando Pessoa e outros poetas. Então, todos eles foram importantíssimos para criarmos e pensarmos na maneira como queríamos fazer história em quadrinhos.

E desenhistas?
Laerte, Frank Miller, Mike Mignola, Eduardo Risso, Moebius, Will Eisner, Katsuhiro Otomo, tem muitos. Sempre estamos descobrindo novos artistas que têm uma relação legal para alguma coisa. Então, tudo pode influenciar um pouco. É muito importante ler coisas novas para ver soluções novas. Senão você acaba ficando congelado.

Vocês não inserem na história aparelhos muito tecnológicos, o que poderia localizá-la mais facilmente no tempo. Vocês consideram Daytripper atemporal? Era essa a ideia?
O título dos capítulos é a idade do Brás. Pensamos em colocar sempre no início do capítulo uma data do obituário, mas vimos que isso iria prender a história em um tempo. Tratando todos os capítulos só com a idade do Brás, tivemos um pouco mais de liberdade. Quando mostramos ele criança, tem lá o tipo de carro e também o tipo de roupa. Então, há alguns elementos para localizar no tempo essa história. Mas também não fazemos nada ousado de imaginar um superfuturo. E não dá para saber como isso vai ser daqui a 200 anos. Existem muitas histórias atemporais, principalmente na literatura, e foi o que queríamos fazer. Porque não é tão importante saber que determinado fato aconteceu na década de 70. Se forem analisar isso no futuro e virem que fizemos isso nessa época e todos esses detalhezinhos, talvez localizem assim. Mas não é o importante. O importante é o que acontece ali, a relação dos personagens, quem eles são. Essas são coisas que são um pouco mais atemporais.

Que conselhos/dicas vocês deixam para quem quer se tornar escritor de HQ?
Tem que ter paciência, tem que mostrar o seu trabalho para outras pessoas porque elas vão mostrar para você o que elas não entenderam, o que não está funcionando no seu trabalho, o que pode melhorar. Sozinho, você não tem como descobrir isso. Tem que praticar muito, errar muito e ter paciência para aguentar frustrações. Fazer quadrinhos tem um período de arrebentação. Você tem que passar essa arrebentação para chegar depois das ondas, para depois começar a surfar. E as pessoas morrem nela, não conseguem ter paciência para passar esse período. É igual a qualquer outro trabalho: demora, tem rotina e, às vezes, é chato. Então, essa arrebentação dos quadrinhos é a parte mais difícil, pode demorar anos.

Postagem originalmente postada em dezembro de 2012