Benedito Alves da Silva - Ditão

Ele se chama Benedito Alves da Silva, mas todos o conhecem por Ditão. O bem-humorado líder do Quilombo de Ivaporunduva¹ é muito falante e simpático. Fala com orgulho de suas origens e de suas vivências no quilombo e no município vizinho, a cidade de Eldorado. Sua presença na Escola Viva se deveu ao evento do 8º ano, que tem como tema: Como conciliar desenvolvimento e preservação?

Ditão veio falar sobre a importância do quilombo na região do Vale do Ribeira, seja para a preservação dos costumes e do modo de vida desses descendentes de escravos, quanto do meio-ambiente local, ameaçado pela construção de usinas hidrelétricas.

Leia suas opiniões na entrevista abaixo:

Como surgiu a comunidade quilombola em Ivaporunduva?
O quilombo surgiu através de escravos, já que é uma comunidade negra. A Constituição Federal reconhece quilombo como uma comunidade e isso está no artigo 68 Nossos antepassados foram escravos e a nossa ligação com esse povo está em alguns sobrenomes. Lá em Ivaporunduva começou com Furqui:são todos nomes portugueses: Furqui, Pupo, Marinho, Meira, Rodrigues - esses são os que a gente conseguiu buscar no Livro do Tombo, que é um livro da Igreja Católica onde estão registrados os escravos que eram batizados. Ali recebiam seus nomes e os entregavam para seu amo, como se dizia naquele tempo. Amo, ao invés de dono, era assim que se falava. Esses nomes estão no nosso sobrenome até hoje.

Quantas famílias moram atualmente no quilombo?
Cerca de 400, 410 famílias.

Muitas pessoas deixam a comunidade para viver nas grandes cidades?
Por volta das décadas de 60, 70 até 80 saíram muitas famílias. Depois que a gente organizou a comunidade e que a Constituição trouxe essa lei, o artigo 68², a partir de 88, que a gente começou a se organizar como quilombo para garantir o direito constitucional. Assim que a gente acessou o direito constitucional, também começamos a acessar os programas do governo, tanto do Governo do Estado, como do Governo Federal. Dessa forma, começou, então, uma política de fixação do homem na comunidade. A partir dessa data, não existiram famílias que saíram da comunidade para morar fora, mas o inverso: tem algumas que até já voltaram porque melhorou bastante a qualidade de vida das famílias. No quilombo há um projeto antigo da comercialização da banana orgânica. Como surgiu a ideia de produzir e comercializar esse produto?.O projeto surgiu porque antes de a gente ser reconhecido e organizado como, a gente já produzia o produto orgânico, só que ele não era certificado. A gente ainda não tinha aquela consciência de que se tivéssemos a certificação e também o selo, teríamos uma porcentagem a mais no valor. Nós tivemos algumas parcerias que sugeriram que a gente fizesse isso porque estamos dentro da Mata Atlântica, onde viver da forma que se vivia, vamos pensar assim, há 30, 40 anos atrás, não dá mais, então começamos a fazer o aproveitamento desses recursos que existiam e podiam ser organizados. Por exemplo, a certificação orgânica é um recurso. Essa foi uma das saídas que nós achamos. Fomos até o IBD (Instituto de Biodinâmica de Botucatu), fizemos a parceria e aí começamos, acho que em 2002, a primeira certificação. De lá para cá, todo ano recebemos a certificação, depois que se faz a inspeção na comunidade, no bananal, na produção. A certificação orgânica é renovada anualmente.

Como a comunidade se organiza para realizar esta atividade?
A comunidade está organizada através da Associação Quilombo de Ivaporunduva. Ela é coordenada por seis executivos: um presidente, um tesoureiro e um secretário, seguido cada um de um suplente, e mais quatro conselheiros fiscais; então são 10 pessoas na coordenação. Essa equipe coordena por dois anos, depois desse período a gente faz novas eleições e troca o pessoal. Essa é a forma de organização. A organização divide os trabalhos dentro da comunidade em grupos: o grupo que cuida da banana, no qual as pessoas vão organizar toda a produção, a logística, o comércio. Outro grupo vai cuidar do turismo, vai organizar as visitas das pessoas, das escolas. Outro grupo cuida do artesanato. Então, o trabalho que a Associação gera não é necessariamente o que a coordenação faz: ela pode delegar para grupos, porque é dessa forma que a gente consegue fazer com que se possa gerar lucro. A gente entende que se ficar só na mão da coordenação, o trabalho acumula e eles acabam não dando conta. Dessa forma, quem perde são as famílias, então essa é uma forma de delegar serviços paras pessoas da comunidade, é uma forma de fazer com que as tarefas sejam cumpridas. E tem dado certo, a gente vai melhorando. Às vezes a gente dá uma erradinha, mas no geral o saldo é sempre positivo.
.No início deste ano, a comunidade recebeu a notícia da inauguração da ponte sobre o rio Ribeira de Iguape. 

Qual o significado da ponte para vocês e o que ela trouxe de benefícios para a comunidade?Quem já foi lá sabe, estamos do outro lado do rio. Esse rio, o Ribeira, agora, a partir de outubro, até abril, maio, às vezes um pouco menos, às vezes um pouco mais, entra numa época que é difícil para nós, está sempre cheio. Para nós é o período da água, de muita chuva, o rio enche e a única forma de se sair para acessar o comércio era por cima de uma balsa. Toda a produção passava por cima dela, a estrada era precária e o que o poder público alegava era que não dava pra atravessar máquinas grandes para fazer as melhorias. Nós temos mais de 100 alunos que precisam atravessar o rio todo dia depois que passam da 5ª série para estudar do outro lado do rio. Até a 4ª série eles têm escola no quilombo, mas depois têm que sair. E isso era uma dificuldade porque havia uma desistência muito grande de alunos na escola. As crianças iam até a 6ª, 7ª série e depois desistiam por conta dessa dificuldade. O Presidente Lula, quando ainda não era presidente, em 1995, na Caravana da Cidadania, esteve no Vale do Ribeira fazendo campanha. Foi uma época em que ele andou pelo Brasil inteiro e nós não tínhamos nem barco na comunidade, era canoa, aquela canoa feita de uma madeira só e a gente tinha que atravessar o rio a varejão e remo, no caso, a braço, não era a motor como é um barco de alumínio. Quando ele atravessou o rio, ao chegar do outro lado veio uma “maresia de ar”, uma água mais forte e deu um “tapa” no rosto dele, lavou, molhou a camisa do Lula. Mas ele olhou na canoa e todo mundo continuou sentadinho, ninguém ligou. Ele deve ter calculado “deve ser normal porque ninguém faz conta”, mas ele ficou apavorado. Depois, chegou na comunidade, ficou um tempo com a gente e falou: “Se um dia eu for governo, eu vou fazer uma ponte pra vocês nesse rio”. Ele viu a dificuldade, que era muito grande. Em 2003, em Goiás, ele foi fazer um discurso para os quilombos dos Calungas e falou: “Agora o próximo passo é a ponte de Ivaporunduva”. A partir desse momento, a SEPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) começou a organizar com os Ministérios um jeito para buscar recursos para essa ponte sair do papel e, ao mesmo tempo, organizar, aqui em São Paulo, o setor ambiental, por conta de ter a licença de instalação, aquela burocracia... Essa parte demorou bastante,a ponte começou em janeiro de 2008 e ficou pronta no final do ano passado, em 2009. Em 2010, uma parte do acesso precisava da licença ambiental. Demorou bastante para a Secretaria do Meio Ambiente liberar, mas liberou, e agora já se está atravessando, já está tranquila essa parte. O Governo não foi inaugurar, mas já está atendendo às necessidades da comunidade, principalmente dos alunos, porque agora o rio pode encher que os alunos não vão mais perder a aula. Eu tenho falado para o pessoal, acho que agora 100% dos alunos estão na escola, não tem ninguém fora, isso é legal. A nossa produção é vendida aqui em São Paulo e no CEASA de Campinas, . mas tivemos que mudar a entrega da produção. Teve vezes, como aqui em São Paulo, em que perdemos o contrato de banana orgânica porque a gente não podia cumprir as datas de entrega, e hoje não temos mais esse problema. Então isso quer dizer que a ponte vai melhorar bastante a qualidade de vida da comunidade. Acho que isso foi uma coisa importante para nós... a gente até se emociona falando, porque essa ponte foi muito importante. A organização está preparada para receber pessoas de fora, porque tem mudança, vamos dizer assim,. Tínhamos uma dinâmica de vida sem a ponte, essa dinâmica tem que mudar por conta do contingente de carros que entram, essas coisas, e a comunidade está preparada para isso.

O coordenador do 8º ano, o professor Henrique Delboni, nos informou que a comunidade possui um carro cedido pelo Governo Federal. Gostaríamos de saber um pouco sobre o assunto..
Nós temos um Gol que foi para o quilombo via Governo Federal e temos um caminhão comprado com o dinheiro de uma doação internacional. Foi um projeto que tivemos em 2000 mais ou menos, em que conseguimos um recurso internacional. Nós fizemos algumas melhorias no sentido de poder ajudar na qualidade de vida das pessoas, como por exemplo, conseguir alguns latões para lixo, fazer reciclagem, conseguir casas para armazenar o lixo, compramos um caminhão para sair da mão do atravessador, que é aquela pessoa que compra a produção cinco, seis vezes mais barato que o valor que devia pagar... e tudo isso era um problema. Mas foi o Governo Federal que doou um Gol para ajudar na questão do turismo, para a gente fazer o trabalho logístico, todo o processo local. Estamos a 50 km da cidade, da nossa sede do município, e agora tem mais linhas de ônibus, mas naquele momento tínhamos só duas linhas, uma de manhã e outra a tarde e também não tinha telefone. Então, se tivesse criança picada de cobra (muito difícil mas às vezes acontecia), uma mulher que ia dar à luz, ou qualquer outro problema na área de saúde emergencial, era difícil você ser atendido pelo médico, então esse carro atendeu bastante nessa linha. Foi importante por conta disso.


¹ O Quilombo de Ivaporunduva fica no município de Eldorado, na região do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo
² O entrevistado refere-se ao artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias


Originalmente postada em novembro de 2010